Exposições coletivas e pessoas amigas
Este é o lugar desta casa em que se encontram, se congraçam os amigos artistas.
Pessoas com quem encruzilho biografia e que se entrecruzam, aqui, em seus falares estéticos.

Abrimos este espaço, oportunamente, no dia de celebração da abolição da escravidão no Ceará. O primeiro evento de abolição do trabalho escravo no território brasileiro. A exposição aqui materializada na sua virtualidade é um esforço de vida no mais triste e desastroso março da nossa história. Mesmo diante da morte a arte frui. Ainda que sufocado pelos sistemas mais ditatoriais, mais genocidas que possam existir, o espirito humano quer fruição.
Conta a História que os jangadeiros sob liderança dos negros José Luís Napoleão e Francisco José do Nascimento ( Chico da Matilde ou Dragão do Mar) gritaram "No Ceará não se embarcam mais escravos!" e se recusaram a transportar, em suas jangadas, pessoas cativas para os navios que as levariam do Ceará para as plantações do Sudeste do Brasil. Fruto da luta abolicionista e das contradições do sistema escravista em colapso, a abolição oficial do trabalho escravo foi promulgada no dia 25 de março de 1884 no Ceará.
[Fonte: ALENCAR, Calé; FORTALEZA, Pingo (org.); Histórias de Luz, 100 anos sem Dragão do Mar - 130 anos da Abolição no Ceará].
Não fosse o morticínio que nos abate este seria um 25 de março de muita celebração, afinal, são 137 anos de um dos mais importantes eventos abolicionistas do mundo.
Aqui, neste triste março exercemos a liberdade de nos unir e falar em cores e formas com você:
"A vida quer viver!"
Aqui compartilhamos com você nossas sensações e nossos fazeres.
A primeira exposição coletiva da nossa casa apresenta 15 obras que em diversidade nos une.
Somos quatro artistas de lugares, de biomas distantes e de experiências estéticas diferentes mas que nos autorreconhecemos em nossas Africanidades.
Abrimos esta exposição com os estudos cromáticos, o potente abstracionismo das
fragmentações pictóricas, as simetrias do grafismo de Nick Pereira no conjunto "Azul, amarelo e vermelho".
Em seguida, transitamos pelos caminhos, pelas imersões, pelo imaginário e pelos fazeres
do mestre da cerâmica do Vale do Jequitinhonha Armando Ribeiro.
Respiramos os ares sertanejos nas imagens-afetos de Adilbênia Machado.
Por fim, eu, Wagner Ventura, trago aos seus olhos duas obras reflexivas das minhas séries de transubstanciações.




Nick Pereira
"Azul, amarelo e vermelho"
O trabalho é um conjunto de 3 pinturas denominadas: "azul, amarelo e vermelho". Trata-se de um estudo de cores e formas realizado com base no graffiti de letreiro em 3D.
As letras do grafite 3D lembram o abstracionismo geométrico. Desta forma, as pinturas são uma fragmentação de partes das letras de graffiti. Para além da arte urbana, as pinturas têm influência dos artistas Piet Mondrian, Kandinsky e Paul Klee.
As pinturas também fazem parte do processo de criação de murais de grafite com letras em 3D. As formas gráficas simétricas presentes na pintura lembram a forma cúbica. As cores primarias amarela, azul e vermelha dominam quase todo o trabalho. No centro da tela as formas cúbicas são pintadas com as cores primarias, análogas e complementares.
Nick Pereira iniciou sua vida artística em 1999 como grafiteiro do movimento hip hop no estado de Ceará. Teve participação em exposições no Centro Dragão do Mar (2004), na Unifor Plástica (2009), no MAUC UFC (2012 e 2020), no Sobrado Jose Lourenço (2017), além de outras exposições e murais pintados pela cidade de Fortaleza. É educador social, ensina técnicas de graffiti e desenho principalmente em ONGs.

Azul.
Pintura
26,5CMx30,5CM
Fortaleza
2020.

Amarelo.
Pintura
26,5CMx30,5CMm
Fortaleza
2020.

Vermelho.
Pintura
26,5CMx30,5CMm
Fortaleza
2020.
Armando Ribeiro
"Cerâmica"
O interesse pela cerâmica nasce nas vivências da infância, quando nas feiras da cidade de Caraí fui fascinado pelos trabalhos dos artesãos da comunidade Santo Antônio e Ribeirão Capivara, zona rural do município.
Contudo, apenas no ano de 2005, após ter me graduado em História na UFMG e retornado ao Vale do Jequitinhonha para trabalhar como professor na rede pública estadual na cidade de Padre Paraíso/MG, conheci a mestra Tonia, ceramista de Embu das Artes SP, num evento de intercâmbio cultural. A partir da oficina de modelagem realizada em julho de 2005, me inseri na cultura da cerâmica do Vale do Jequitinhonha, aprendendo com os mestres: Dona Maria, Margarida e José, respectivamente esposa e filhos de Ulisses Pereira em Caraí/MG, cidade dos meus pais; com D Isabel e filhos na comunidade de Santana do Araçuaí (município de Ponto dos Volantes/ MG); Ulisses Mendes em Itinga/ MG; Marcinho e Lira Marques na cidade de Araçuaí /MG e em encontros e visitas a outros artesãos da região.
Desde essas imersões nas comunidades e fazeres dos mestres, venho me deixando apanhar pela magia da cerâmica, sua chama e matéria, através do imaginário popular do Vale do Jequitinhonha e ventos das metrópoles.



OBJETO DE LUZ
Produto do que afeta na relação entre corpo, desejos e espaços nos ambientes urbanos.
cerâmica
32CMx12CMx12CM.
Janelas, face a face. A cidade, afetos e desatinos.

SANTO ANTÔNIO COM O PÃO DOS POBRES E O MENINO JESUS LEITOR
Cerâmica
42CMx24CMx31CM
Araçuaí/MG.



O POVO SOBRE A IGREJA
Investigação, afetos e vivências da religiosidade popular no Vale do Jequitinhonha, os sincretismos e atualizações simbólicas. Religiosidade popular no Vale do Jequitinhonha uma cidade cantada. Um povo tocado nos signos do encontro entre o negro, o índio e o branco - partituras da civilização cristã ocidental. O rastro subvertido na experiência popular:
"atire a primeira pedra aquele que não sofreu por amor" (Mário Lago).

ÓRBITA DO DESEJO ENQUANTO O MENINO APANHA UMA ESTRELA
Os signos da fertilidade no sertão.
Cerâmica
70CMx35CMx25CM.


Elogio ao movimento que tamanha alegria derrama sobre nós.



O FOGO DA ESPERA
Uma aparição dos materiais para reposições da memória vegetal e mineral atravessada pelo fluxo da presença humana sensível.
cerâmica madeira pedra
22CMx40CMx19CM
Há um tempo escapando entre o desejo e o ato. Nele, queima o fogo da espera.



SANKOFA – VOLTE E APANHE O QUE IMPORTA
Encontro com o pensamento africano que habita em mim.
Cerâmica
28CM x 20CM x 15CM
Adilbênia Freire Machado
"Ser-tão Menino – Sabedoria do tempo: o velho e o menino ou o velho menino e o menino velho..."
Sou Adilbênia Freire Machado,
filósofa do encantamento, tecida pelo sertão, tecendo ser-tões! A ancestralidade é minha guia, cura e encruzilhada...
Nasci em um fim de tarde, bem quando o sol estava partindo, em uma quarta-feira, lá no Sertão dos Inhamus, na comunidade chamada Pau Preto, município de Parambú – CE, que fica cerca de 400km da “capitá”.. Meu pai, Chico Dimas, diz que quando eu estava nascendo ele “tava tocando fogo no mundo”, diz, também, que é por isso sou fogo. Vim ao mundo pelos braços de minha Mãe Chica, pela força de minha Mãe Ivone, sob luz de lamparina... Meu nascimento já traz a marca da filha do vento, de raios e trovões. Fogo!
Minha mãe diz que sai do mato, mas o mato nunca saiu de mim... é que aos 15 anos vim para a Capital estudar... Em Fortaleza graduei-me em filosofia e depois fui morar em terras baianas onde fiz mestrado em educação estudando filosofia africana mediada pelas filosofias da ancestralidade e do encantamento, pensando o ensino das africanidades... voltei pro Ceará e me doutorei em educação, pesquisando os saberes ancestrais femininos que tecem as filosofias africanas, currículos e metodologias afrorreferenciadas... Tenho refletido e bordado questões em torno do ser-tão que há em cada uma de nós, da escuta sensível, da ética do cuidado, desde / com os saberes ancestrais da filosofia africana.
A natureza me move, ainda que as vezes não a escute como deveria... o tempo encanta. A ancestralidade guia, cuida, cura e encruzilha...
A fotografia é uma forma de traduzir o que não sei escrever... é uma forma poética de agradecer a vida à natureza... E esse é um alento, uma terapia... fotografar o tempo, o ser-tão! Tempo natureza, tempo menino, tempo mais velho, mais velha... tempo humano! Tempo cabaças das existências.
A Exposição Ser-tão Menino – Sabedoria do tempo: o velho e o menino ou o velho menino e o menino velho é uma homenagem e um agradecimento ao tempo, à natureza, à amizade e a dois grandes amores: meu pai Chico Dimas e meu sobrinho Daniel.
Essas fotos foram tiradas em grande parte durante os primeiros meses da Pandemia... em 2020. Após mais de 20 anos em que ficava pouco tempo em casa, passei 8 meses com meus pais... fim de tarde é quase regra ver meu pai voltando do curral das vacas e indo alimentar as burregas e os burregos que não tem suas mães... Daniel quase sempre é sua companhia!
Após finalizar os trabalhos, Daniel chama meu pai para brincar! Muitas vezes Seu Chico Dimas diz que tá cansado... um dia após muito insistir e meu pai dizer que estava cansado, Daniel disse:
- Vô, vamos brincar da brincadeira de velho.
Meu pai perguntou aos risos:
- Meu filho, como é essa brincadeira de velho?
Daniel pegou duas cadeiras, colocou no meio do tempo (no terreiro, em frente a porta de casa) e falou:
- Senta ai vô. Essa é brincadeira de velho, ficar sentado olhando o tempo!
Que sabedoria a do menino – velho! Que encanto esse encontro do velho menino, meu pai, e do menino velho, meu sobrinho!
Que essa sabedoria, de olhar o tempo e, assim, sentir e perceber o ser-tão, a natureza, entender o quão só existimos com ela, por ela, possa nos ensinar sobre o tanto que essa Pandemia, que estamos vivendo, tem nos dito, mas não temos ouvido...
Que essa sabedoria do tempo, traduzida em imagens possa acalentar, alegrar e levar leveza, pelas redes, em meio ao caos!
Que o cuidado ancestral do tempo, bordado no menino velho e no velho menino, seja encanto!
Axé!

Ser-tão Menino – Sabedoria do tempo: o velho e o menino ou o velho menino e o menino velho.
Fotografia.
Pau Preto (Parambú – CE)




Ser-tão Menino – Sabedoria do tempo: o velho e o menino ou o velho menino e o menino velho.
Fotografia.
Pau Preto (Parambú – CE)
Wagner Ventura
As duas pinturas que exponho fazem parte das transubstanciações que compõem a série Celas (2016/2021). Não há maiores palavras sobre estas angústias pictográficas no momento pois, a séria completa estará exposta na página Transubstanciações na Varanda da nossa casa.
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Tumbeiro - Díptico.
Pintura
91CMX131CM
Fortaleza.



